“BSB, 05.02.88.
Millôrzinho,
Que animal deformado é esse chamado Brasil?
Que país é esse com 130 milhões de individualistas?
Queremos descobrir. É o jornal. É o “Agora”. Somos nós. Feras feridas. Tô emergindo da anestesia de ser brasileira, brasileiro. A pergunta pode ser banal e previsível, mas é inevitável: diga-me, Millôr, que país é esse?
Repito Caio Fernando Abreu. “Não quero um país destroçado nem para as pessoas que amo, nem para as pessoas que sequer conheço”. Nunca estivemos tão tristes. O que vai ao coração da Maria? Do João? O que pinta na cabeça do brasileiro, da brasileira? O seu presidente insiste – e bota insiste nisso – e eu, o Pedro, a Joana, questiono. E aí, como é que fica? Fica? Não dá mais pra suspirar. Chega de pichação. Cadê a esperança? Cadê o sonho? Não quero – cê também não, e a Maria idem, trocar queixas e desânimos, né.
Estamos sozinhos e pirados? Não. Não mesmo. É o jornal. Os impulsos vitais básicos estão lesados? A pergunta é do Caio. Cê sabe responder? O que sobrou no rosto das pessoas pelos bares, pelas festas, pelas ruas? Cê sabe responder? Recolhe boas notícias? Há amor? Saco? Coletivo? Projeto? Vontade? Disposição?
Horas dessas podíamos estar conversando. Ou não. Brasil. Eu. Você. Nós. Eles. É uma conjugação difícil.
Olho o cartaz do VI Encontro Nacional de Solidariedade aos povos da América Latina. Tem uma pomba branca. Linda. Tem Argentina. Chile. Colômbia. Equador. Peru. Nicarágua. Guatemala. Belize. El Salvador. Paraguai. Cuba. Uruguai. México. Haiti. Costa Rica. Brasil …
Tenho trabalhado com coragem, afinco. Tô mobilizada pelo “Agora”. Penso em contatar o Sérgio Paulo Rouanet. Considera bom nome? Ele tá discutindo a questão da modernidade. Pode ser boa contribuição. Concorda?
Intervalooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooo
Seguinte. O liquidificador ainda tritura os alimentos fluminenses. O meu Wallita anda meio leso. Mas a baixa rotação fica por conta do afetivo. Somente. No mais, em ritmo de Fórmula 1. A meta é operacionalizar o projeto do jornal. Lidar apenas com o indispensável no trabalho e tocar o periódico. Quero dar-lhe cara. Torná-lo visível. Vai ser assim. Assado. Ter tal cor, linguagem, formatação, jeito. Deve estar pronto em julho. Enfin, qui vivra, verra!
Esse foi o intervaloooooooooooooooooooooooooooo mais fajuta da minha vidaaa. É o pinta. Agora.
Não quero apenas discutir o sanatório geral em que o Sarney transformou o Brasil. É pouco. Pequeno. Quero discutir, sobretudo, a falta de rumos pro futuro. Um país que não tem noção do seu ano 2000. Antes era uma terra dominada. E ahora? Esse é o legado do seu presidente? Uma terra de ninguém?!?!
Quero receber notícias suas. Alguma impressão memorável? Novidades? Sugestões de leitura? Ideias? Sarney já te telefonou? As rosas brancas já foram parar na lata do lixo? Já pensou num tema pro meu pasquim? Gosta de receber cartas? Respondê-las?
Pedro tentou ensinar-me a andar de esqueite – em bom português mesmo. Quase morri. De rir! Disse-lhe: “Ah, meu filho, sua mãe é dedé. Sorvete na testa. Meu equilíbrio na vida, e no esqueite, é dos mais combalidos”. Ele não se deu por vencido, não… E aí? “Assim, amigo, vou parar nohospital”. Ele apenas sorriu.
Presenteeeeeee – Terra e Cores e Nomes (acho que é Trem das Cores, sei não…), do Caetano. Lembra-me cê.
Mande notícias mesmo que o telefone esteja arisco.
Beijão da Clarice”.
Clarice achou que podia fazer um jornal / revista, ou vice-versa. Ou versa-vice. Pode?! Clarice achou que podia. Era o “Agora”. Queria discutir o Brasil, seu ano 2000. Juntar intelectuais, jornalistas, escritores, povo. É, o povo também… Era essencialmente democrática. Queria quem pensasse e ajudasse a pensar o Brasil. Queria “gente que sente o Brasil”, dizia. Achava que o país não podia ficar “à deriva”. Seu chefe estimulava a publicação (?). Tinha viajado pelo Brasil, contatando “os notáveis”, como brincava, numa alusão… Tentava vender seu peixe. Difícil. Mas não desistia. Pôs na cabeça que faria o periódico e não havia quem lhe tirasse a ideia. Nem o árduo trabalho.
Clarice andava blue, como dizia, ou sentia.
